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Fotos: Fernanda Chemale

QUINTANA ENTRE O DIA E A NOITE

Exposição multimídia realizada nas galerias Xico Stockinger [DIA] e Sotero Cosme [NOITE], da Casa de Cultura Mario Quintana, em Porto Alegre - RS, para as comemorações do Centenário do poeta Mario Quintana.

Curadoria e Concepção: Andreia Vigo
Consultoria Acadêmica: Maria da Glória Bordini
Museografia: Jeniffer Cuty
Assistente de Arte e Produção: Germana Konrath
Produção de Objetos: Rafael Oliveira e Bruno Salvaterra
Ilustrações e Design Gráfico: Mundus Móbile
Fotos: Fernanda Chemale
Contador: Henri Wolf Bejzman
Monitoria: André Costa de Oliveira, Ane Costa de Oliveira, Letícia Dutra, Paulinho Santos, Valéria Payeras

Consultoria Cultural: Telos
Produção: Bureau de Cinema e Artes Visuais
Apoio: Casa de Cultura Mario Quintana, Secretaria de Estado da Cultura, Acervo Literário Mario Quintana, PUC/RS

Financiamento: Ministério da Cultura - Lei Rouanet

Patrocínio: Copesul
 

Crítica publicada no site Coletiva.net em 01/06/2006

Poesia no escuro, por Clô Barcellos

Ela não sabia ler poesia. Mas está aprendendo. Tão depressa que não entende a passada ignorância. Aprendeu com as comemorações ao centenário de nascimento do poeta. No entanto, ficou fora da festa no recital na Casa Mario Quintana.

Festas para um poeta popular e querido, com públicos tão variados, em sua própria casa, não podem ser realizadas em espaços tão diminutos. Fu Lana não chegou cedo, mas confirmou presença, o que  anti-civilizadamente não costuma fazer. No auditório, cabiam 200 pessoas, mas foram convidadas 1.200. Mario Quintana não gostava de aglomerações. Ainda mais no inverno, quando as velhinhas de casacos de pele disfarçados pelo perfume se reuniam em eventos literários. Fu Lana ouviu essa história contada pela própria sobrinha-neta do poeta, cúmplice na hora da fuga de homenagens formais. Tio Mario a agarrava pelo braço (ela, que era braço-esquerdo e corrimão) e dizia: vamos atravessar o povo e comprar cigarros. E lá se iam os dois, sorrindo e fugindo.

Em uma dessas ocasiões, os organizadores colocaram na porta do quarto dos dois uns “acompanhantes” para evitar as escapadas dos homenageados. Fu imaginava o que faria Quintana ao saber que tantas pessoas se aglomeravam e disputavam o sucesso do evento na porta de entrada só para participar de uma das muitas homenagens em sua lembrança. Certamente, ficaria escondido na exposição de arte de Andréia Vigo (Dia e Noite), também instalada em sua Casa. Fu Lana aproveitou o ingresso de jornalistas na secreta exposição, fechada ao público até o encerramento do recital, naquela noite plena de barrados no baile. Caras desapontadas e braços cruzados assistiam ao telão em pé. Situação que o poeta detestaria, certamente.

A noite é a hora que mais agrada aos poetas. Nela, todos podem existir, de verdade ou de mentira. É nesse momento e espaço que expõem à vontade suas contradições. Em um baú de espantos, a artista multimeios Vigo conseguiu surpreender e desarmar nossa heroína fugitiva. No imaginário de descoberta, portando lanterna, visitando a instalação em petit comitê, Fu Lana encontrou a paz. Agora, nada lá fora importava. A multidão, a pompa, a circunstância. Valia estar ali, no escuro, iluminando as palavras que encontravam o leitor como queria Quintana. As figuras em espaços sutilmente preparados, com tecnologia subjacente, materiais metálicos e falsos espelhos, e a surpresa de um dia iluminado pelo sorriso do poeta arrebataram a rebelde de plantão. Ela entrou na noite feito leoa ferida e saiu mesmo que uma gata depois do prazer. Miava baixinho, espantava as críticas. Foi subornada pelo próprio poeta que afagou sua ansiedade ao ser rejeitada. Andréia Vigo trouxe à Casa de Mario Quintana brilhos estrelares. Fu Lana fugiu como Mario e a sobrinha-neta. Não para comprar cigarros, mas para planejar suas fugas seqüentes em novas visitas àquele espaço tão familiar que Andréia construiu com tanta sensibilidade e precisão.

A outra sala iluminada, segunda parte da exposição, atrairá centenas de pequenos seres curiosos que encontrarão espaços especialmente preparados para suas estripulias. Sem computadores, com muita cor e propostas criativas e estimulantes. Porém a noite calou fundo em Fu Lana, com o prata e o verde-água. Tudo a ver com aquele tio que Elena Quintana descrevia em sua palestra, no colóquio sobre o poeta na Faculdade Porto-Alegrense: o tio Mario, judiado pelo gigante Adamastor (seu pai) que faz parte do povo, era tão pouco acostumado a privilegioso tratamento. Caminhante de tão longo andar, eterno anjo que tece o tempo no alto de uma escada para lugar nenhum. Se pudéssemos encontrar Quintana naquela noite, se ele não estivesse adorando sua musa Bruna, estaria sem dúvida no alto daquela escada, na noite de Andréia Vigo. E Fu Lana estaria bem quietinha no canto, aproveitando a poesia no escuro.




 

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